O Viajante

Ela adorava os viajantes. Os visitantes. Os aventureiros. Aqueles com muita vontade e pouco tempo. Aqueles discretos, ou mesmo com alguma necessidade de segredos. Aqueles que flertam. E o flerte… Ela adorava o flerte de oportunidade. O flerte de ocasião.

Naquela noite ela estava tentada com o que via entre risadas soltas e tradiconais copinhos americanos nunca vazios da cerveja barata e gelada do seu bar preferido. O papo, o sorriso, o sotaque. Ah! Aquele sotaque… Chegou a se preocupar com a bandeiraça que estava dando, coisa para a qual ela normalmente cagava.

A noite quente era assunto óbvio, também os trabalhos que ambos faziam cheios de paixão, as viagens realizadas e as sonhadas, e os futebóis. Eles riam e bebiam, ele envolvido, soltinho; ela em casa, na sua praça, paciente, apenas esperando a brecha. Brecha marota que surgiu quando o assunto migrou para o rock’n roll, e ela viu os olhinhos miúdos do moço se iluminarem.

Enquanto ele discorria animado sobre os shows inesquecíveis, seus astros e bandas preferidos, os punks e o pops, ela se concentrava em vê-lo brilhar e em mentalmente escolher alguns clássicos para citar aqui e ali oportunamente. E quando ela mandou “You Can Leave Your Hat On” e “Pour Some Sugar On Me” quase que em sequência, ele baixou o copo, sorriu e finalmente baixou a guarda. Ela sorriu de volta, vitoriosa. Safada.

Em menos de dez minutos já se trombavam rumo ao conjugado que nunca pareceu tão longe. Ele se acomodou na única poltrona que havia, além da cama, no pequeno cômodo. À vontade, na medida certa entre o tesão pronto para explodir e a paciência pelo aceno definitivo, que veio na forma de um comprido robe de seda, duas doses de bourbon e uma troca de olhares que o Largo do Machado nunca viu igual.

Entre carinhos e putices, ele era tudo o que ela imaginou. Cada beijo, cada toque, cada puxão nos cabelos, cada investida e cada estocada. Gentil e intenso. Gostoso e moleque. Ela estava entregue, suada, usada, gozada e feliz. O encaixe certeiro de cheiros e sentidos. Se possuíram como quiseram. E como se quiseram! Apagaram bêbados um do outro e das cervejas e do bourbon, embolados, acabados e realizados.

Ela acordou disposta. Suspirou satisfeita contemplando a enorme cama vazia. Da noite anterior, além do cheiro do próprio sexo nas mãos, as lembranças ainda vivas daqueles os olhos miúdos, brilhantes e sorridentes, do copo relutantemente pousando na mesa e da despedida: “gata, eu tô adorando essa cerveja, o seu bar, o nosso papo mas estou trêbabo. Me ajuda a chamar o táxi?”

1 comment on “O Viajante”

  1. Roneyb Responder

    Tava precisando ler um texto bom sobre a vida! Vi de relance seu link em algum lugar e lembrei como suas palavras fluem bem e vim espiar!

    Valeu!

    Adorei a reviravolta no final!

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