Gente que Importa

No princípio era o “e se”. E se fosse no Rio? Onde seria, como seria, quem viria? Sim, eu me fazia essas perguntas a cada edição dos Jogos Olímpicos que começava imponente na TV. Por mais que eu tivesse vários eventos prontos na cabeça para responder essas perguntas, se alguém dissesse à Cláudia de 8 anos (chorando com o Misha), para a Cláudia de 12 (emocionada com o Joaquim Cruz) ou mesmo para a Cláudia de 16 (que gritou e vibrou e chorou com a geração de Ouro do Vôlei) que um dia ela efetivamente organizaria uma edição dos jogos, eu duvido muito que ela acreditaria. Confesso que eu mal acreditei quando fui chamada para a entrevista de emprego. E toda a emoção que senti ao fim daquele processo é exatamente proporcional à grandeza da responsabilidade que me esperava: apenas imensa.

E aqui estou. Há 1369 dias numa rotina sem rotina. O grande desafio era fazer o que eu já sabia — importar — dentro do cenário dos jogos, com todos os clientes e stakeholders envolvidos no processo. Tive a sorte de chegar no momento certo, a gerência recém criada e ter tempo para entender a legislação específica, alinhar e desenhar os fluxos, ajudar na busca das parcerias e já começar a tratar o que já tinha que acontecer, lá naquele momento zero. Desde que a Logística destes jogos existe como departamento, já passou de tudo um pouco na minha mão: os primeiros pins colecionáveis, alguns vários brindes, os Macs e iMacs (para o pessoal de design fazer o trabalho incrível que vocês conhecem), os servidores que guardariam os diversos portais por vir (a começar pelo de Voluntários) e outros tantos itens de Tecnologia (incluindo sofisticados equipamentos de videoconferência que poupariam muito dinheiro em passagem aérea). Também vieram os Mascotes (que na época nem nome tinham ainda) e os amigos (aqueles antigos que vieram para o lançamento dos novos, lembram?) e foi incrível demais fazer parte disso e ver o quanto eles são queridos!

A coisa começou a ficar séria quando começaram os Eventos-Testes. O que desenhamos funcionaria? Os órgãos do governo cumpririam o alinhamento? Os fornecedores conseguiriam seguir nossas instruções? E a roda começou a girar. Nossa equipe já estava mais robusta — agora já existia a Logística Internacional — e meu foco já estava se concentrando nos equipamentos esportivos. Vieram os primeiros uniformes, os obstáculos para o Hipismo, barcos de apoio para arbitragem e jornalistas, barcos de competição, o trabalhoso deck e as compridas raias da Lagoa. Tudo muito complicado no começo e já tínhamos uma amostra de que a engrenagem demoraria um bocado ainda para rodar macia. Os embarques começavam a chegar concomitantemente e nossa margem de erro diminuía a cada dia (coisa nada rara no Comércio Exterior mas nos jogos, tudo toma uma dimensão hercúlea). Chegaram itens diversos de arbitragem (desde apitos até moedas de sorteio, equipamentos de vídeo e até binóculos!), todos os itens para as quadras de Tênis de Mesa e Badminton (tudo, de porta-toalhas a mesas!) e os velhos conhecidos equipamentos para o Vôlei (tanto o de quadra quanto o de praia). Trouxemos itens curiosos como as ambulâncias equinas (as primeiras jamais projetadas), um cavalo mecânico, os adesivos numéricos para identificação dos atletas da Maratona Aquática, o sistema de som subaquático para o Nado Sincronizado, os bonecos (dummies, com e sem pernas!) para treinamento de lutas, equipamentos antidoping de raquetes (?!), os portões de partida, cercas infláveis e marcadores de chão para as provas de Ciclismo (BMX e Mountain Bike). Fomos desafiados em todas as instâncias – a começar pelo fornecedor – para importar toda a madeira que se transformaria quase que artesanalmente na incrível pista de Ciclismo de Velocidade (sim, o Velódromo — aquele!!!) e as tintas para pisos e toda gama de pisos em si: para as diversas arenas fechadas, as do Riocentro, os tatames, os antiderrapantes dos esportes aquáticos e até mesmo o gramado sintético do Hóquei (aquele do azul lindo e hipnotizante). Com mais calma vieram os alvos e demais equipamentos do Tiro com Arco, os ringues e toda a gama de equipamentos e uniformes de treinamento e competição do Boxe (minha primeira importação do Paquistão), as anilhas para o Levantamento de Peso, as tabelas do Basquete — queridinho da galera — e inúmeras camas elásticas (não, elas não usadas apenas na Ginástica de Trampolim). Um belo embate comercial tomou forma quando precisamos tocar o embarque de cargas compridas demais (que só cabiam em voos cargueiros) como os trampolins do Salto Ornamental e todas as traves — do Futebol, Handebol, Goalball e as enormidades do Rugby. Demandou um controle absurdo a importação de todos os colchões e pódios e todos, todos, todos os equipamentos das Ginásticas (sim, todos!) e fomos estrangulados nos equipamentos para o Tiro Esportivo, incluindo aqueles pratos-alvos que viram poeira colorida (198 mil pratos) — exceto as armas e munições (ahhhhh!); boa parte dos equipamentos das modalidades diversas do Atletismo e mais de quinhentos itens que fazem parte das especificações do campo de Golfe (achou que era só grama, buraco e bandeirinha, né?). Mais uma vez precisamos respirar em meio ao vendaval para dar a atenção necessária para os caríssimos equipamentos médicos de diagnóstico de primeiríssima geração para a Policlínica da Vila de Atletas e os equipamentos super high-tech da Esgrima. E as bolas? Foram bolas e mais bolas — pra lá de cinquenta mil (yeah!) — para todos os esportes que usam bolas (algo em torno de 800 bolas de basquete e 25 mil bolinhas de tenis de mesa, por exemplo), menos o Futebol (ah, esse é comum demais, né?). Tive também a chance de coordenar e acompanhar a importação dos uniformes de toda a força de trabalho (50 contêineres), das nossas lindas tochas Olímpicas e Paralímpicas, e dos nossos valiosíssimos ingressos. Como se não fosse o bastante, agora, em tempos de jogos, ainda tenho o privilégio de ajudar — ainda que timidamente — na operação de Cavalos. É por isso que sou forçada a repetir: eu amo o meu trabalho!

Hoje é difícil imaginar uma instalação de treinamento ou competição sequer que não tenha um pouquinho ou um montão do meu suor (ou das minhas lágrimas, se você me conhece bem). E se você encarou o textão e chegou até aqui, certamente vai se lembrar de mim a cada competição que comparecer ou mesmo assistir. E vai sorrir por mim, que eu sei. E sorrindo por mim, vai sorrir também por uma equipe fantástica que fez um trabalho maravilhoso e da qual me orgulho muito de fazer parte: gente que importa!

Tem problema demais na nossa cidade? Sim. No nosso país? Demais! Não sou louca de negar nem tão pouco de pedir que os esqueçam. Nada disso. Peço apenas que vejam o que estamos entregando apesar de todos esses problemas! Os Jogos estão apenas começando para o mundo e nosso trabalho está muito longe de terminar, mas eu estou muito, muito feliz de ter chegado até aqui com essas metas atingidas, ajudando a mostrar que é possível sim — a despeito do momento delicadíssimo que vivemos — entregar aquilo que nos comprometemos e que existe sim uma grande chance de que os atletas — nossos clientes mais especiais — atinjam aqui no Rio a sua melhor performance e, assim, sigam nos inspirando a ir mais longe, mais alto e a sermos mais fortes.

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